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2011/02/19

Alexandre e o nó górdio

Jean –Simon Berthélemy,  Alexandre cortando o nó górdio, 1767 (École des Beaux-Arts, Paris, França)

Como referira num texto anterior[1], a mitologia, assim como a tradição escrita grega, são o testemunho da representação do mundo antigo através de um vasto conjunto de textos como de representações pictóricas. Neste âmbito, e com a noção sempre presente de que a História se move continuamente para lá dos limiares dos tempos, a lenda que decidimos abordar aqui é provavelmente uma das mais actuais da tradição grega: “O nó górdio”. Vejamos…
Ásia Menor (actual Turquia). Século VIII a.C.
O reino da Frígia (no centro da Turquia) enfrenta um problema difícil de resolver: o rei não tem herdeiro e a sua sucessão está em perigo. Um oráculo anuncia então que o novo rei entraria no templo de Zeus, na capital do reino, conduzindo uma carroça. Os poucos que conheciam o oráculo estavam excluídos da competição: exigia-se a inocência da alma.
Um dia, Górdio, um agricultor da Frígia, vê uma águia pousar-se na sua charrua e aí permanecer todo o dia. Entendendo isto como um sinal de Zeus, cuja águia era um dos símbolos, o camponês decide partir para a cidade a fim de honrar Zeus com uma oferenda a Zeus. Górdio penetra no templo, na sua carroça. É de seguida aclamado rei… um rei da inocência. Em memória de tão improvável, mas não menos glorioso, dia, Górdio decide perpetuar o momento através de um símbolo digno da sua humilde condição de lavrador e artesão, mas também merecedor da nobreza do seu saber, do trabalho das suas mãos, da forma dedicada como sempre se entregou aos ofícios da terra e como sempre trabalhou os frutos de uma Natureza agreste mas compensadora. Górdio ata o timão da sua carroça ao altar de Zeus com um elaborado nó. Este nó, fruto da sua arte, do seu saber, no qual passa largas horas do seu tempo, é a representação da sua própria existência: cuidada, impregnada do seu gosto pelo trabalho aprumado e do vagar que este exige; é o tempo da sua vida... Este entrelaçar combina criatividade e fineza, engenho e simplicidade, em suma celebra a aliança, porque um nó é antes de mais um anel, um elo, entre a terra e o Homem. Mas ainda estava para vir aquele que seria capaz de desfazer o produto de tanta habilidade!
Para além desta lenda não nos chegou muito sobre o reino de Górdio. Mais famoso viria a ser o seu filho, Midas, a quem a mitologia atribuía a dom de transformar tudo o que tocava em ouro. O frígio Midas reinava do alto do seu palácio na cidade de Gordion, uma herança do próprio pai.
Um novo oráculo vem consagrar o inextricável nó de Górdio na tradição grega: quem conseguisse desatá-lo tornar-se-ia senhor de toda a Ásia. Muitos o contemplaram, muitos tentarem desenvencilhar o seu mistério, muitos quiseram entender a sua lógica, a coerência que o constituía. Mas “a César o que é de César”[2], só Górdio conhecia o segredo do seu nó, fora fruto da sua singular criatividade, do seu peculiar talento, só ele saberia desenredá-lo. Passaram séculos sem que o labiríntico nó seja desembaraçado, até que surge, embalado nas suas conquistas, Alexandre III de Macedónio, dito o Grande. A Ásia Menor sofre as razias das invasões macedónias e acaba quase integralmente sob o jugo de Alexandre. Durante a ocupação da Frígia, Alexandre ouve falar do oráculo e, numa sobranceira afirmação de poder, decide ser ele a resolver o que muitos, durante séculos, não conseguiram e assim concretizar a profecia. Já no templo de Zeus, e após uma curta inspecção ao complexo lavor de Górdio, Alexandre corta o nó com a sua espada. À sua volta, um silêncio ensurdecedor faz estremecer toda a Humanidade, todo o atempado e cuidado trabalho do Homem na sua luta constante para se extrair da sua animalidade original. Este corte transversal, frio e calculista, funda o mundo moderno, cria o «mundo da simplificação apressada; da experiência que destrói o seu objecto; da acção eficaz em detrimento do sentido; da mentira; dos elos quebrados»[3]. É este o mundo moderno, refém das imagens veiculadas pelos mass media, de “postais” adoptados pela esmagadora maioria da população, do materialismo das sociedades modernas. Todo o simbolismo do gesto de Alexandre Magno ilustra as preocupações dos nossos dias, isto é, a rejeição absoluta da complexidade. Desfazendo todo o mistério do nó górdio com um simples golpe de espada, cai todo o simbolismo de um mundo complexo, mas real, para dar lugar a um mundo desprovido de segredos e de sentido. É neste mundo que existimos. É neste mundo que se encontram as nossas escolas…
Na última década, a educação tem sido pensada à sombra deste atroz golpe de espada, à luz de processos meramente simplificadores e desprovidos de coerência, à luz exclusiva de execuções orçamentais. Estamos a falar de educação, do presente e sobretudo do futuro do nosso país. Exigências reduzidas; avaliações descaracterizadas, simplistas, sem qualquer pretensão à excelência; objectivos cada vez mais básicos; aprendizagens cada vez mais pobres: são estes os resultados do trilho delineado pela burocracia para a educação. Os exemplos práticos são inúmeros, desde as ciências humanas passando pelas ciências exactas até às áreas das expressões. Empobrecimento generalizado… Exames nacionais que, de ano para ano, se tornam cada vez mais acessíveis, não porque os alunos estão melhor preparados mas sim porque a exigência se vai desvanecendo. O que dizer do manancial de obras que era, há alguns anos, impreterível dominar no âmbito do exame nacional de Língua Portuguesa? O que dizer dos exames que exigiam análise, interpretação, fundamentação, espírito crítico? O que temos hoje? Plano nacional de leitura? Citando o seu preâmbulo: «O Plano Nacional de Leitura tem como objectivo central elevar os níveis de literacia dos portugueses e colocar o país a par dos nossos parceiros europeus.» Como, se os exames da língua materna já não exigem o domínio (apetecia-me escrever “a leitura prévia”) de obras de referência da nossa literatura? Se a avaliação não exige, ou exige muito pouco, porque razão insistir? Como esperar que depois os nossos jovens sejam o reflexo de uma lógica distinta?! Repito, porque razão insistir? Bem… porque é o nosso dever enquanto educadores, porque são os nossos próprios filhos, os nossos próprios netos, porque são o devir desta nação. Creio que é um motivo suficiente…
Mas se as directivas educativas emanam das esferas do poder, isso não exonera totalmente o corpo docente; parte da lenta e progressiva degradação do sistema educativo do nosso país é também da sua responsabilidade. Afinal, a exigência de cada docente quanto aos seus alunos não é quantificável por decreto! Está também nas nossas mãos. Recuperando o título da notável obra do pensador personalista, Denis de Rougemont, «pensar com as mãos» …


[1] Ver «O leito de Procrusto», 05/11/2010.
[2] Mt., 22, 21.
[3] Rougemont, Denis de, Doctrine Fabuleuse, Neuchâtel, Ides et Calendes, 1947, p. 96.

Alexandre et le noeud gordien


Jean –Simon BerthélemyAlexandre tranchant le nœud gordien, 1767 (École des Beaux-Arts, Paris, France)


J’affirmai dans un article précédent[1] que la mythologie, tout comme la tradition grecque, sont, à travers un vaste ensemble de textes et de représentations picturales, le témoin d’un monde antique. Ainsi, et avec la notion que l’Histoire est mouvante, la légende que j’ai décidé de traiter ici est certainement l’une des plus actuelles: “Le nœud gordien”. Voyons plutôt…
Asie Mineure (actuelle Turquie). VIIIème siècle av. J.-C.
Le royaume de Phrygie (au centre de la Turquie) est confronté à un problème difficile à résoudre : le roi n’a pas engendré d’héritiers et sa succession est en danger. Un oracle annonça alors que le nouveau monarque pénétrerai un jour au grand galop, sur son char, dans le temple de Zeus de la capitale. Ceux qui furent avisés de la prédiction étaient exclus: l’innocence de l’âme était requise. 
Un jour, Gordius, un paysan de Phrygie, voit un aigle se poser sur le joug de sa charrue et y demeurer toute la journée. Interprétant cela comme un signe de Zeus dont l’aigle était un des attributs, l’humble laboureur décide d’honorer le dieu des dieux d’une offrande dans le temple de la capitale. Ainsi, Gordius entre dans la demeure de Zeus, debout sur son char. Il est immédiatement acclamé roi des Phrygiens… un roi de l’innocence. En mémoire de ce si peu probable, mais non moins glorieux couronnement, Gordius veut perpétuer l’instant. Le perpétuer à travers un symbole, à la fois digne de son humble condition de laboureur et d’artisan, mais aussi de toute la noblesse de son savoir, du labeur de ses mains, de la façon dont il a toujours travaillé la terre et façonné les fruits d’une Nature difficile mais généreuse. Gordius lie le timon de son char à l’autel de Zeus avec un nœud très élaboré. Une corde dont les bouts s’entrelacent harmonieusement en constituant le plus parfait des nœuds, la somme de tous ses savoirs, de tout son art. Ce nœud, sur lequel il s’incline plusieurs heures, c’est l’image de sa propre existence: méticuleuse, empreinte de son amour pour les choses bien faites. C’est le temps de sa vie, comme un long fleuve tranquille. Ces croisements infinis sont le symbole même de sa créativité et de la justesse de ses gestes, de son ingéniosité et de sa simplicité, en somme la célébration d’une alliance, car un nœud c’est avant tout un lien, une connexion, comme celle qui relie la terre aux hommes. N’était pas encore né celui qui un jour serait capable de défaire le produit de tant d’habileté!
Au-delà de cette légende, nous ne savons pas grand-chose sur le règne de Gordius. Plus célèbre deviendra son fils, Midas, a qui la mythologie grecque attribuait le don de changer tout ce qu’il touchait en or. Le phrygien Midas gouverna du haut de son trône dans sa capitale Gordion, un héritage de son père.
Un nouvel oracle vient consacrer le nœud alambiqué de Gordius dans la tradition grecque: qui saurait le dénouer deviendrait le maître de l’Asie. Beaucoup l’ont admiré, beaucoup ont tenté de le comprendre pour mieux le défaire, d’entrevoir son mystère, de résoudre l’énigme qu’il enfermait. Mais “rendons à César ce qui est à César” [2], seul Gordius connaissait le secret de son nœud, ce produit de son talent et de sa féconde imagination, seul lui serait capable de le délier. Les siècles passèrent sans que ce labyrinthe dévoile sa sortie, jusqu’à ce que n’apparaisse Alexandre III de Macédoine, dit Le Grand. L’Asie Mineure est la proie des razzias macédoniennes e finit presque intégralement sous son emprise. Durant l’occupation de la Phrygie, Alexandre entend parler de cet oracle et décide de résoudre l’énigme devant laquelle tous avaient échoué. Dans le temple de Zeus, après une courte observation du labeur de Gordius, Alexandre tranche le nœud de son épée. Autour de lui, un silence assourdissant fait trembler toute l’Humanité, fait frémir tout l’ardu travail de l’Homme pour s’extraire de son animalité originelle. Ce coup d’épée transversal, froid et calculé, fonde le monde moderne, crée un «monde de la simplification hâtive; de l’expérience qui détruit son objet; de l’action efficace au détriment du sens; de la tricherie; de la rupture des liens» [3]. Voici le monde moderne, otage de toutes ces images véhiculées par les médias, de ces “images d’Épinal” adoptés par presque tous, du matérialisme des sociétés modernes. Le geste d’Alexandre illustre nos préoccupations d’aujourd’hui, c'est-à-dire le rejet de la complexité. En défaisant si simplement le mystère du nœud gordien, c’est toute la symbolique d’un monde composé et réel qui s’écroule pour faire place à un monde dépourvu de secrets et de sens. C’est notre monde, celui où se trouvent nos écoles[4]
Durant dernière décennie, l’éducation a été orientée par l’ombre de cet atroce coup d’épée, guidée par des processus simplificateurs et dépourvus de cohérence en suivant le chemin tracé par la tyrannie budgétaire. C’est de l’éducation qu’il est ici question, du présent et surtout du futur de notre pays. Exigences réduites; évaluations décaractérisées, simplistes, sans aucune ambition d’excellence; objectifs de plus en plus réducteurs;  apprentissages appauvris: ce sont les résultats des politiques éducatives tracées par la bureaucratie. Dans la pratique, les exemples sont nombreux, que ce soit dans les sciences humaines, dans les sciences exactes ou mêmes dans les matières plus enclines aux aptitudes manuelles. Appauvrissement généralisé… Examens de fin de secondaire (l’équivalent du bac, au Portugal) qui, d’années en années, deviennent de plus en plus accessibles, pas par la meilleure préparation des élèves, mais par ce que l’on sollicite un niveau de moins en moins élevé. Que dire des œuvres qu’il fallait, il y a quelques années, maîtriser en vue de l’examen national de langue portugaise? Que dire des sujets qui requéraient des capacités d’analyse, d’interprétation, de démonstration, d’esprit critique? Je cite le préambule du Plan National de Lecture (projet du Ministère de l’Éducation mis en place depuis 2007): «Le Plan National de Lecture a pour objectif central élever le degré d’alphabétisme des Portugais et permettre au pays de se hisser au niveau de ses partenaires européens.» Mais comment y arriver si les examens de langue portugaise n’exige plus la maîtrise (j’ai même envie d’écrire la lecture) des œuvres de référence de notre littérature? En fait, ce n’est peut-être qu’une question de statistique, de chiffres à manipuler, histoire de bien paraitre… Si l’évaluation n’exige pas, ou très peu, pourquoi insister? Comment espérer que nos élèves soit le reflet d’une logique différente? Je le répète, pourquoi insister? Et bien, parce que c’est notre devoir en tant qu’éducateurs, parce que se sont nos propres fils, petits-fils, parce qu’ils sont l’avenir de la nation. Voilà des raisons bien suffisantes je crois…
Mais si les directives de l’éducation émanent des sphères du pouvoir, cela n’exonère pas pour autant les professeurs; une partie de cette lente dégradation du système éducatif nous incombe aussi. Il n’est pas encore possible de quantifier par décret l’exigence de chaque enseignant vis-à-vis de ses propres élèves! L’avenir est aussi entre nos mains. Je récupère le titre de l’excellent ouvrage du penseur personnaliste, Denis de Rougemont,  pour conclure qu’il faut «penser avec les mains»…

[1] Voir «Le lit de Procuste», 05/11/2010.
[2] Mt., 22, 21.
[3] Rougemont, Denis de, Doctrine Fabuleuse, Neuchâtel, Ides et Calendes, 1947, p. 96
[4] Je me réfère évidemment au monde scolaire portugais, bien que la tendance soit générale et que certaines considérations puissent s’appliquer également aux écoles françaises.

2010/11/05

Le lit de Procuste

Thésée et Procuste
(kylix attique à figures rouges, 440-430 av. J.-C., British Museum, (vase E84))


            La mythologie grecque est le témoin de la représentation du monde antique à travers un vaste legs de textes ainsi que de reproductions pictoriques.
Au cours des innombrables récits, dont l’encadrement dépasse la sacralité qu’on lui confère habituellement, les personnages e t les évènements évoqués s’octroient une dimension historique qui sert de base aux historiens de l’Antiquité. Ainsi, les mythes deviennent le reflet, il est vrai fantastique, d’une société bien réelle. Cependant, il serait très peu judicieux de considérer anachronique la possibilité d’établir un parallèle entre la mythologie grecque et l’actualité. C’est l’apanage de l’Histoire, com l’illustrait le philosophe napolitain Giambattista Vico dans ses travaux sur la théorie cyclique du «corsi et ricordi», d’utiliser le passé pour faire la lumière sur le présent et même anticiper les temps prochains. Le mythe de Procuste est un des nombreux exemples de ce paradigme.
            Procuste (connu également sous les noms de Procruste, Polypémon ou encore Damastès) vivait, selon l’historien Diodore de Sicile (Ier siècle av. J.-C.), sur la route d’Athènes à Éleusis. Procuste offrait son hospitalité aux voyageurs qui croisaient son chemin cependant avec une intention plutôt macabre. Il attachait ces itinérants sur un lit où ils devaient tenir exactement. Trop grands, ils étaient amputés des membres qui dépassaient; trop petits, Procuste les écartelaient jusqu’à ce qu’ils atteignent la taille requise. C’est la torture de l’uniformisation! Thésée, l’un des plus fameux héros de la mythologie grecque, vaincra le sinistre bourreau en lui infligeant le même sort. Même Procuste n’avait pas les dimensions de sa propre couche!
            Le parallèle avec d’autres moments de l’histoire est aisé. Il suffirait d’évoquer les lois raciales imposées au peuple allemand par l’idéologie nazie, qui se voulaient dans la continuité du darwinisme social en vogue dans l’Europe du XIXème siècle, et qui plaidaient la supériorité et la pureté de la race aryenne. La caricature de l’aryen de grande taille, blond et aux yeux bleus, produit d’une race immaculée par les déboires de l’histoire humaine, sied, en vérité, très peu aux responsables politiques du IIIème Reich. Adolf Hitler, führer d’un empire voué à être millénaire, Joseph Goebbels, ministre de la propagande nazie, Heinrich Himmler, chef incontesté des SS et de la Gestapo, ou encore Rudolph Hess, sont l’exemple de l’incohérence de certains dogmes. Mais tournons-nous vers le présent…
            Selon les chiffres officiels[1], le Portugal comptait, en 2004, près de 450 mil immigrés que l’on peut regrouper en deux catégories : ceux qui détiennent un visa permanent de résidence et ceux qui possède une autorisation de séjour. Parmis ces concitoyens, les brésiliens, les ukrainiens et les capverdiens sont les plus représentés; Amérique du Sud, Afrique et Europe de l’Est; trois continents, trois cultures, trois façons de vivre sur le même sol, dans les mêmes frontières, dans la même alcôve nationale. Dans toute l’Europe, pour ne pas aller plus loin, les questions migratoires et identitaires revêtent un rôle de plus en plus important et, il vrai, inquiétant. Il suffirait de rappeler le modus operandi de l’idéologie fasciste durant le XXème siècle et la portée des axiomes identitaires et nationalistes qui concoururent à son affirmation politique. La France et l’Allemagne, les deux pays européens accueillant le plus d’immigrés, font de leurs systèmes d’intégration, et de la nécéssité de les réformer, le centre de débats récurrents. Cependant, la réalité de ces deux nations, beaucoup plus complexe, avec notamment des questions culturelles et religieuses bien plus soutenues, n’est pas comparable avec le phénomène migratoire vers le Portugal.
            Les immigrés résidant au Portugal constituent, sans aucun doute, un apport très positif pour le pays par la dynamisation de sa fragile économie, contribuant à la stabilisation d’un taux de natalité en chute libre depuis les années 70, fournissant une main d’œuvre entreprenante dans de nombreux secteurs d’activité, finançant, comme n’importe quel contribuable, les retraites, le chômage, la santé, l’éducation, etc. De plus, l’immigration représente une précieuse source d’enrichissement culturel, un croisement fécond de savoir, un inestimable trésor.
            Procuste désirait éliminer les diversités, les fondre dans une norme pré-établie. Cependant, le Portugal, ce pays forgé par une rencontre multiséculaire de cultures, depuis les Phéniciens, en passant par Rome, les Barbares du nord de l’Europe, l’Islam, les échanges avec l’Afrique, l’Asie, jusqu’à la récente entrée dans l’espace communautaire européen, ne peut se laisser tenter par la dérive de l’uniformisation. Jean Bodin affirmait au XVIème siècle qu’ «il n’y a de richesses que d’hommes»; nous y ajouterons que des hommes différents décuplent cette richesse.

[1] Voir le rapport Estatísticas da Imigração du Haut Commisiariat pour l’Immigration et les Minorités Ethniques publié en 2005. http://www.oi.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=879

O leito de Procrusto

Teseu e Procrusto
(kylix ático de figuras vermelhas, 440-430 a.C., British Museum, (vaso E84))


            A mitologia grega é o testemunho da representação do mundo antigo, tanto através de um vasto conjunto de textos como de representações pictóricas. Através das suas inúmeras narrativas, cujo enquadramento ultrapassa a sacralidade que lhe é mais habitualmente conferida, as personagens e os acontecimentos evocados arvoram uma dimensão histórica servindo de base aos historiadores da Antiguidade. Assim, os mitos tornam-se o espelho, deveras fantástico, de uma sociedade autêntica. Contudo, seria errado considerar anacrónico a possibilidade da existência de um paralelismo entre a mitologia grega e a actualidade. É apanágio da História, como o ilustrara o filósofo Giambattista Vico na sua teoria cíclica do «corsi et ricorsi», a utilidade do passado afim de esclarecer o presente, e porventura antecipar os tempos vindouros. O mito do leito de Procrusto é um dos inúmeros exemplos deste paradigma.
            Procrusto (também conhecido como Procrustes, Procusto, Damástes ou ainda Polipémon) vivia, segundo o historiador Diodoro Sículo (séc. I a.C.), junto do caminho que ligava as cidades de Atenas e Elêusis. Procrusto oferecia a sua hospitalidade aos viajantes que por aí passavam, porém, com um intuito bem menos pacífico do que alegara. Os hóspedes eram amarrados numa cama na qual deveriam caber na medida exacta. Os que ultrapassavam o tamanho do leito viam os seus membros decepados; ao contrário, os que não ocupavam a totalidade da cama eram esquartejados até que os seus corpos ocupassem toda a sua extensão. Procrusto infligia, assim, a tortura da uniformização! No entanto, Teseu, um dos mais lendários heróis da mitologia grega, derrota o sinistro hospedeiro aplicando-lhe o mesmo tratamento. É que nem Procrusto cabia exactamente no seu próprio leito!
            O paralelo com outros momentos da História da Humanidade é facilmente demonstrável. Senão, vejamos as assombrosas teorias raciais impostas pelo nazismo, que se reclamavam do darwinismo social em voga na Europa dos finais do século XIX e que pugnavam pela superioridade e pela pureza da raça ariana. Caricaturando… “altos, fortes, louros e de olhos azuis”, uma raça pura que passara imaculada pelos meandros da História. Adolf Hitler, führer de um Reich que duraria mil anos, Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazi, Heinrich Himmler, chef incontestado das SS e da Gestapo, ou, ainda, Rudolph Hess, são casos paradigmáticos da incoerência de certos dogmas. Mas olhemos para o presente…
Segundo os dados oficiais[1], Portugal contava, em 2004, perto de 450 mil imigrantes, divididos entre os que detinham uma autorização de permanência no território, a qual carece de renovação, e os que detinham autorização de residência. Entre estes nossos conterrâneos[2], os brasileiros, ucranianos e cabo-verdianos são os mais representados; América do Sul, África e Europa do Leste; três continentes, três culturas, três vivências distintas, ambas num mesmo espaço geográfico, num leito nacional idêntico. Em toda a Europa, isto para não alargar a problemática à totalidade do orbe, as questões migratórias e identitárias têm assumido contornos cada vez mais relevantes e, na verdade, preocupantes. Bastaria lembrar o modus operandi da ideologia fascista no século XX e a importância dos axiomas identitários e nacionais para a sua afirmação política. França e Alemanha, os dois países europeus que mais imigrantes acolhem, têm debatido os prós e os contras dos seus sistemas de integração das comunidades estrangeiras, e da necessidade de transformações afim de atenuar os efeitos contraproducentes que irreversivelmente geram. Mas não seria sensato comparar liminarmente a imigração destes dois países, que arvora condições muito mais complexas, nomeadamente religiosas, com a realidade portuguesa.
Os imigrantes residentes no nosso país são, sem margem para dúvida, um elemento positivo concorrendo para a dinamização da nossa frágil economia, contribuindo para estabilizar uma taxa de natalidade em queda abrupta desde os anos 70 do século passado, fornecendo mão-de-obra em sectores carenciados, custeando, como qualquer outro contribuinte, as reformas dos nossos idosos, os subsídios dos mais necessitados, todo o sistema de saúde e de educação, etc. Além disso, a imigração representa um manancial cultural invejável, uma fonte diversa de conhecimento, de enriquecimento pessoal, um entrecruzar de saberes que nenhuma obra escrita pode suplantar.
Procrusto desejava eliminar as especificidades, fundi-las numa norma pré-estabelecida em que todos caberíamos mas Portugal, este país moldado ao longo dos séculos pelo encontro de culturas, desde os Fenícios, passando pelos Romanos, Bárbaros do norte da Europa, Mouros, Africanos, Ameríndios, Asiáticos, até à integração no espaço comunitário europeu, não deve cair na tentação da uniformização. Jean Bodin, no século XVI, afirma que «a riqueza está nos homens»; acrescentaríamos que homens diferentes ampliam essa riqueza.

[1] Ver o relatório Estatísticas da Imigração do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas publicado em 2005 (http://www.oi.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=879).
[2] Os que são da mesma terra (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa). Partimos do pressuposto que se estão cá e vivem connosco, também são de cá…