2010/11/13

Europa das Pátrias vs. Federalismo solidário: o diktat económico

            A construção europeia tem sido alvo de inúmeros avanços e retrocessos. O propósito dos pais fundadores apontava para uma realização faseada. Robert Schuman, um dos principais instigadores da Europa comunitária a par de Jean Monnet, afirmava nos anos 50 do século passado: «A Europa não será realizada de uma vez só, nem através de uma estrutura conjunta: far-se-á através de realizações concretas». Desde 1957, e a instituição da CEE pelo Tratado de Roma, as divergências entre adeptos de uma Europa da Nações, onde as soberanias nacionais se sobrepõem ao poder decisório europeu, e a visão federalista têm sido frequentes. À Europa das Pátrias, defendida por De Gaulle, opunham-se o modelo alemão federalista. Contudo, esta dicotomia parece estar a vacilar em prol dos interesses económicos, em detrimento da ideia de uma Europa federal e portanto necessariamente solidária. A própria Alemanha, arauto do federalismo, parece, segundo as últimas declarações da sua chanceler, obedecer exclusivamente às exigências da crise económica, pondo de parte alguns princípios que alicerçam o projecto europeu. No sentido de ilustrar esta tendência, decidi transcrever o breve, mas não menos elucidativo, artigo do Público da sexta-feira passada (ontem), da autoria de Manuel Carvalho.

«Angela Merkel transformou a União Europeia num vestido com verso e reverso para usar conforme as conveniências.
Antes de partir para a reunião do G20 em Seul, Merkel exigiu que a UE fosse vista "como um todo", para assim poder recusar as críticas americanas aos enormes excedentes comerciais alemães. Mas no que respeita aos problemas da dívida e do défice, que estão a empurrar a Irlanda ou Portugal para o caos, já não parece haver razões para se olhar a Europa colectivamente. A tese alemã que prevaleceu desde a crise grega é até oposta: cada um que trate de si, que a subtileza de Merkel tratará de lhes agravar os problemas.
Se não é justo exigir aos alemães que paguem os delírios dos ministros portugueses ou a irresponsabilidade dos bancos irlandeses, também não é justo convocar todos os europeus para se justificar o excedente comercial alemão. De resto, os europeus são mais vítimas desse excedente do que qualquer outro povo do mundo. A estabilidade da moeda única, a proibição de os mais fracos recorrerem à desvalorização competitiva da moeda, tanto justifica o défice comercial português como o saldo positivo alemão de 15.600 milhões de euros em Setembro.
O que é difícil de suportar é este discurso hipócrita de Merkel, que ora diz ao Financial Times que "não se pode olhar para a UE com um mercado único e uma moeda única numa base país a país", ora sugere aos credores da dívida soberana para terem cuidado, porque serão obrigados a assumir os custos de eventuais bancarrotas.
Se a UE é vista "como um todo" para justificar os desequilíbrios provocados no mercado mundial pelos alemães, também o deve ser na hora de ser solidária com os Estados aflitos. Não se trata de lhes pagar as contas, apenas de suspender o discurso punitivo que as autoridades alemãs têm usado, apoiar com convicção os seus programas de austeridade ou, como fez hoje, pedir calma aos mercados. Não se pede caridade nem complacência; pede-se apenas coerência, quando se invoca a UE "como um todo".» [Público, 12 de Novembro de 2010, p.3]

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades… (Luís de Camões)

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